sexta-feira, 29 de outubro de 2010

De volta...



Esperei algum tempo antes de escrever sobre o jogo de domingo contra o Prudente.

Depois que a minha filha nasceu, por motivos óbvios, não consegui ir com tanta frequência aos jogos do Santos. Tive que me contentar nos últimos meses aos “pfc’s” da vida.

Desde que me conheço por gente sempre fui torcedor de estádio. Meu pai sempre me levou aos jogos e hoje espero ansiosamente a minha filha crescer um pouco mais para poder levá-la também. Esse papo de “ver pela tv é muito mais confortável”, “ir em estádio é perigoso” e todos os outros chavões de “pseudo-torcedores” nunca me convenceram. Vou a Vila há mais de 30 anos. Religiosamente. E algumas vezes cumpro essa “minha devoção religiosa” também em outros estádios.

Apesar da felicidade indescritível de ser pai, eu sentia falta de alguma coisa, mas no último domingo tudo convergiu a meu favor e enfim eu consegui ver novamente um jogo do Peixe na “nossa casa”.

Jogaríamos contra o “praticamente rebaixado” e último colocado do campeonato. Tivemos a semana inteira que antecedia o jogo para treinar. Tivemos a volta de praticamente todos os jogadores do elenco que estavam machucados e como se tudo isso não bastasse o jogo seria de festa, afinal de contas era aniversário do melhor jogador de futebol que o mundo já viu, do rei que teve a honra de exercer o seu reinado com a nossa camisa. Pelé fazia 70 anos.

O que poderia dar errado?

Bom, não quero voltar ao assunto do jogo mesmo porque muito já se falou sobre o “desastre” de domingo.

Queria aqui, apenas com algumas palavras tentar explicar o inexplicável.

O jogo? Os erros? As falhas? Não.

A magia da Vila Belmiro.

Como é gostoso ver um jogo na Vila. Não há no mundo (não que eu conheça todos, longe disso, mas essa certeza é quase que absoluta) estádio mais romântico que Urbano Caldeira.

As suas ruas apertadas, aglomeradas de torcedores, nos fazem lembrar uma procissão rumo ao templo maior do futebol. O maior celeiro de craques do mundo. Seu tamanho é inversamente proporcional a sua história e suas glórias! Nada é exagero quando se fala em Vila Belmiro. Como é gostoso sentir o clima do jogo pelas suas redondezas.

Assistir a um jogo no nosso estádio é mágico. É diferente. É indescritível.

Domingo contra o Prudente, mesmo com a derrota e com a decepção pelo futebol apresentado eu mais uma vez tive a certeza de que não importa o adversário, não importa o jogo, o importante é estar de volta a nossa casa. Mesmo porque perder, jogar mal e errar acontece com todos os times. Ter a Vila Belmiro é um privilégio único do Santos e da sua torcida.

P.S.: Marião, tomei a liberdade de pegar a foto do POC!


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

1º Prêmio Uberaba de Literatura

Consegui mais uma menção honrosa em mais um concurso literário... agora em Uberaba... Fiquei bem feliz, é legal quando você escreve e pessoas que não te conhecem reconhecem o seu trabalho... Dessa vez consegui a menção com o conto "O Homem Neutro". Posto aqui o link com os vencedores: http://arquivopublicouberaba.blogspot.com/2010/09/resultado-do-i-premio-uberaba-de.html#links
E aqui em baixo o texto contemplado:

"O Homem Neutro"

Aquele homem não tinha sentimento. Não que ele fosse uma pessoa de má índole, mau, nem perto disso. Ele apenas não nutria paixão, amor, raiva, ódio, inveja, medo, nada, absolutamente nada, por coisa alguma ou por alguém. Tinha suas necessidades físicas como qualquer ser humano, mas no campo emocional tratava-se de um homem neutro, único, até onde se sabe.

Seu desapego apareceu logo na infância. Ainda criança, assistiu à morte de seu pai, atropelado em uma grande avenida por um ônibus em alta velocidade. Ficou ali parado, imóvel. A polícia tratou de levá-lo para casa, a fim de evitar um trauma maior. Enquanto os policiais explicavam o triste acidente à sua mãe, o menino foi para o quintal jogar bola. A mãe desesperada correu para abraçá-lo, temia que o menino crescesse de alguma forma perturbado, mas nada aconteceu. Como não tinham mais nenhum familiar próximo, no dia do enterro os amigos foram os responsáveis por consolar o menino e sua mãe. Ele não entendia direito o porquê de todo aquele alvoroço. Olhava para o céu e, quando todos imaginavam que ele sofria e rezava para Deus pela alma de seu pobre pai, seus olhos na verdade buscavam as pipas que cortavam o céu azul-celeste naquele fim de tarde.

Cresceu assim. Tinha algumas crianças com quem brincava, com quem ganhava apostas por sempre aceitar os desafios mais temidos por todos os meninos de sua idade. Tornou-se uma verdadeira lenda no colégio em que estudava. Era considerado o mais destemido, o mais corajoso por toda a sua turma, até o dia em que um de seus "amigos" foi atacado covardemente por meninos mais velhos. Enquanto tentava se defender dos safanões, o menino olhou para aquele que considerava ser o seu melhor amigo e o viu parado, sem demonstrar nenhuma reação. Depois de alguns segundos, ele viu seu "melhor amigo" lhe dar as costas e o deixar ali, abandonado à própria sorte, não por medo de entrar em uma briga ou por alguma razão semelhante, mas simplesmente por não saber o que fazer, como agir. Ele não sentia um sentimento de amizade recíproco por aquele menino que apanhava. Aliás, ele não sentia amizade por ninguém, ele não sentia nada por ninguém. Isso fez com que os meninos o isolassem e assim ele cresceu, sozinho, nem triste, nem feliz, apenas tentando entender o que se passava com ele.

Crescido, relacionou-se com algumas mulheres e, por mais que tentasse, elas serviam apenas para satisfazer suas necessidades enquanto homem. Magoou muitas delas e, aos poucos, começou a optar pelas prostitutas. Preferia assim, era mais sincero, leal e sem mentiras. Ao invés de fazer amor, ele fazia um negócio, sem vínculos, um "contrato amoroso" de algumas horas.

Depois da morte de sua mãe, o homem teve a confirmação de suas suspeitas: realmente era imune a todo e qualquer tipo de sentimento. Simplesmente enterrou a sua mãe sem avisar ninguém sobre a morte dela e decidiu mudar de sua cidade. Morou alguns anos na cidade vizinha, depois mudou mais uma vez e, mais uma vez, até somar seis endereços diferentes nos últimos dez anos. Tentativa que de nada adiantou. Ele continuava sem saber o que era uma emoção.

Várias vezes, pensou em contar para alguém seu problema. Passava por sua cabeça procurar ajuda médica, psicológica ou até mesmo psiquiátrica, mas logo desistia. Achava que seria tratado como um objeto de estudo, em vez de um paciente com um grave distúrbio.

Preferia assistir à velha televisão que tinha em casa. Ali, por meio de filmes e novellas, tentava entender o que de fato seria sentir alguma coisa. Por diversas vezes se pegou no banheiro, em frente ao espelho, esboçando um sorriso, não por vontade de sorrir, mas sim para saber como aquilo funcionava.

Certo dia, cansado de procurar por algo abstrato, que não sabia o que era nem onde encontraria, o homem decidiu tirar sua própria vida. Não sentia medo ou remorse, mas talvez em meio a uma situação extrema ele conseguisse enfim sentir alguma coisa. Pensou em se atirar de uma grande ponte que tinha sobre o rio que atravessava a cidade em que ele morava.

No caminho, acabou por cruzar um mendigo completamente cego. Olhou de rabo de olho e continuou a caminhar.

– Muito bom dia, o senhor é um homem bom – disse o cego sorrindo.

Parando bruscamente, o homem perguntou:

– E o senhor, como sabe disso? Além de não me conhecer, nem me ver o senhor consegue.

– Eu sinto isso. Minha visão pode ser comprometida, mas o meu coração consegue enxergar melhor que qualquer olho, por mais aguçado que ele seja.

– E como é possível enxergar com o coração. Por um acaso o coração do senhor nunca se equivocou?

– Sim, muitas vezes – sorriu mais uma vez o cego – mas eu o perdoei. As falhas acontecem com todos, cabe aos justos perdoá-las e aos humildes aprender com essas falhas.

– Quer dizer que o senhor, além de ter um coração que enxerga, é justo e também humilde?

– Não, meu bom homem, eu sou apenas um cego. Um pobre coitado que vive da benevolência de homens de bom coração. Não enxergo, não tenho família, não tenho uma vida de verdade, mas me contento em ter sentimentos e poder confiar neles.

– Quer dizer que se não tivesse sentimentos, o senhor estaria morto?

– Com toda a certeza, ninguém vive sem poder sentir.

Nesse exato momento, uma lágrima brotou do olho do homem que um dia não soube o que era sentimento e, sem querer, ele achou o que tanto procurava. Depois de tantos anos, enfim, chegava a hora de ele começar a viver.

Ao olhar para o cego, viu o pobre mendigo sorrir e balançar a cabeça positivamente.

– Eu não disse que o senhor era um bom homem? Meu coração nunca se engana. Eu era exatamente igual ao senhor e sacrifiquei minha vida e minha visão em busca dos sentimentos que eu não conhecia. O senhor não precisa mais sacrificar a sua vida por isso. Apenas me prometa que vai seguir o seu coração, viver e, acima de tudo, sentir e ajudar as pessoas que ainda não acharam a verdadeira razão de viver. O sentir vale mais do que tudo. A vida é emoção, sentimento e hoje você descobriu isso. Agora seja feliz e faça por merecer essa dádiva.

No dia seguinte, estavam lá, no mesmo lugar do dia anterior, o cego e o homem que um dia não soube o que era sentir. O mestre tinha um aprendiz e agora ambos procuravam ajudar mais homens bons a sentir e a descobrir a emoção que é viver.