quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Concurso Literário de Suzano- 2010

Consegui minha primeira classificação em concursos literários... 7º lugar no Concurso de Suzano. O texto foi o "Vale dos Justos". Para ver a classificação completa, clique aqui: http://www.suzano.sp.gov.br/CN03/noticias/nots_det.asp?id=5337 e o texto eu reproduzo aqui mesmo, no blog:

"O Vale dos Justos"

Austera. Assim poderia ser classificada aquela pequena cidade. Seus habitantes poderiam ser exemplos para toda a humanidade se aquela cidade não fosse apenas uma pequena cidade incrustada no meio de um vale no meio do nada.

O clima fresco, agradável, parecia casar com a paz vivida pelos poucos moradores. As casas todas grandes e espaçosas ficavam distribuídas em poucas ruas e em uma avenida maior onde também ficavam a igreja, a prefeitura e o pequeno comércio.

Uma padaria, alguns restaurantes, um banco, algumas lojas de roupas e uma tabacaria formavam o pequeno comércio local. O prefeito orgulhava-se de ser o representante vitalício de sua população. Não que não houvesse eleições, na verdade elas ocorriam regularmente como no resto do país, mas há quase vinte anos não havia outro candidato além do atual mandatário. Para que mudar o que está dando certo? Assim era o pensamento da população, que votava sempre na chapa única. Havia ali uma lei municipal que dava esse direito ao prefeito, já que desde seus primeiro anos de governo a população chegou a um consenso de que não precisaria ter outro candidato, afinal de contas, assim como todos os habitantes da austera cidade, assim também era o seu prefeito.

E que orgulho seus habitantes tinham de seu prefeito. E mais ainda de sua cidade. A miúda imprensa local focava suas notas apenas nos assuntos corriqueiros, sem grande importância. Não existiam escândalos. Nenhuma notícia de fraude era publicada. Isso não existia ali. O vale onde ficava a cidade parecia emanar uma aura de honestidade sobre todos os habitantes do município. E assim era há muito tempo.

Depois de muitos anos vivendo quase que isolada do resto do mundo a cidade recebeu a visita de um forasteiro. Um homem que do nada chegou naquele lugar em uma manhã linda e ensolarada. Caminhando tranquilamente o homem atraiu a atenção dos moradores que não estavam acostumados a receber visitas. Pela principal avenida o forasteiro carregava uma mochila velha, fumava um cigarro e se atentava a bela paisagem que o cercava.

Os burburinhos começaram. O que poderia estar fazendo ali aquele homem? Com que propósito ele tinha ido àquele lugar no meio de um vale que ficava no meio do nada?

Muito educados os moradores tentavam disfarçar a curiosidade. Assim que o homem se aproximava as pessoas faziam de tudo para não deixar transparecer a sua curiosidade sobre o visitante. O homem parecia se divertir com isso. Encarava as pessoas como se quisesse ser perguntado sobre o porque de sua visita. Sorria a cada tragada em seu cigarro e olhava os habitantes que ali moravam no fundo de seus olhos. Parecia sentir prazer em aguçar a curiosidade dos locais.

O primeiro lugar público avistado pelo visitante foi a pequena padaria. Ali ele entrou para se informar sobre algum hotel, pensão ou lugar onde pudesse se estabelecer. Muito bem tratado pelo dono da padaria logo recebeu a notícia que a única pensão que havia na cidade tinha fechado há quase vinte anos. Logo no primeiro mandato do atual prefeito. Ele havia acabado com aquele antro de prostituição e jogatina onde forasteiros vinham de todos os cantos sujar a moral do município. Hoje em dia não existia mais pensão, mas também a moral e a dignidade haviam sido restabelecidas, e isso trazia muito orgulho para os habitantes. O dono da padaria era um tipo de líder. Junto com o prefeito e o padre formava a tríade que detinha o poder local. Era amigo de infância do prefeito e ajudava muito o padre nas benfeitorias da paróquia.

Para mostrar toda sua boa vontade e provar o quão acolhedor era o povo com os forasteiros de boa índole o comerciante ofereceu um pequeno quarto que ficava acima de seu estabelecimento. O homem resolveu aceitar e quando indagado sobre o porque de sua visita ele apenas sorriu dando a última tragada em seu cigarro.

Passados alguns meses da sua chegada o estranho, mas tranqüilo forasteiro era pouco visto pelas ruas. Vez ou outra saia meio que sem rumo, caminhando de lá para cá descompromissado. Cumprimentava alguns moradores, mas nunca trocava muitas palavras. Isso deixava a cidade cada vez mais angustiada com sua visita.

Certo dia, sem mais aguentar de tanta curiosidade o prefeito resolveu em reunião com o padre e o padeiro fazer uma festa na cidade. Festa essa para recepcionar o visitante que a essa altura, depois de alguns meses morando ali, já era praticamente uma figura ilustre entre os habitantes locais. Encantava as adolescentes, era invejado pelos jovens e se tornara rapidamente o assunto preferido da comunidade.

A cidade inteira se preparou para o evento. O prefeito foi pessoalmente com sua esposa, uma senhora muito distinta, líder da associação das senhoras católicas, convidar o visitante para a festa em sua homenagem. O homem, que não quis recebê-los em seu quarto, aceitou orgulhoso o convite logo embaixo de onde morava, na padaria. O prefeito junto ao seu fiel amigo comerciante ainda tentou arrancar mais informações sobre o homenageado, mas ele era realmente de poucas palavras. E assim a prefeitura começou a preparar a festa de recepção oficial ao visitante.

Chegado o grande dia a cidade estava em polvorosa. Os homens muito elegantes acompanhavam suas respeitosas esposas na entrada do salão do clube onde aconteceria o tão promovido evento. As adolescentes por sua vez não viam a hora do homenageado chegar. Todas, sem exceção, já nutriam por ele um amor quase platônico. Uma admiração e um carinho quase incondicional.

A chegada do forasteiro foi ovacionada pelos locais. Ele chegou tranquilamente, fumando seu cigarro, sorrindo e vez ou outra até acenava para os presentes. Nunca tinha vivido isso antes e no fundo estava gostando.

Depois dos discursos do prefeito e do dono da padaria saudando ao público presente e o ilustre visitante, foi a vez de o padre dar sua benção. Por último, o próprio visitante foi convidado a discursar. Como sempre falou pouco, apenas agradeceu todo aquele maravilhoso evento.

Passada toda a pompa e formalidade oficial a festa no sentido mais apropriado da palavra se iniciou. Os casais e os jovens dançavam animados, até o próprio padre bebericava o seu vinhozinho.

Ao sair do salão para fumar o seu cigarro o forasteiro avistou uma cena difícil de acreditar. Observou que na mata que dava para a parte de trás do clube onde a festa se realizava havia um casal discutindo ferozmente. Ao se aproximar viu que se tratava da esposa do prefeito com o dono da padaria. Aquela discussão era bem estranha porque o motivo, para a surpresa do visitante, parecia ser passional. Depois de um longo bate-boca os dois acabaram com suas diferenças em um beijo apaixonado, digno de um filme de Hollywood. Logo a esposa do prefeito, líder da associação das senhoras católicas, uma senhora tão distinta! E o dono da padaria, sempre tão fiel e amigo de infância do prefeito. O homem não podia acreditar naquilo, acabou de tragar o seu cigarro e entrou sorrindo de volta ao salão.

Ao passar pela cozinha, entrou no banheiro e foi assuar o nariz em uma das partes reservadas do sanitário. Logo na sequência entraram o prefeito e o padre. Pareciam também estar discutindo, e o padre se mostrava um tanto quanto alcoolizado. O homem permaneceu em silêncio, quieto, sem se deixar ser visto pela dupla. O prefeito exigia do padre um pedido para uma reforma astronômica em sua igreja com uma empreiteira de um primo seu, caso contrário ele deixaria bem claro para todas as beatas o quanto o “querido” padre da cidade gostava de álcool e de aliciar menores em cidades vizinhas durante suas noites solitárias. O padre xingava o prefeito de tudo o que era nome, e este, por sua vez, dizia poucas e boas ao padre. Deixava claro que pouco se importava com a cidade, e só permanecia vivendo naquele “buraco” (como eles mesmo chamava a cidade) porque conseguia garantir uma boa quantia de dinheiro com as obras superfaturadas da prefeitura. Assim que conseguisse o suficiente abandonaria aquele Vale e ninguém nunca mais ouviria falar dele.

O padre sugeriu um acordo ao prefeito. Há tempos ele queria abandonar a batina e assumir de vez sua homossexualidade. Aquela poderia ser uma oportunidade única de ambos garantirem seu futuro longe dali. Mais calmo, o padre explicou sua proposta ao prefeito e acordaram uma reforma que renderia um bom dinheiro para ambos. Pronto, agora estava tudo certo e dali saíram abraçados, como bons amigos. O forasteiro mais uma vez presenciou uma cena bizarra. Olhou no espelho do banheiro e sorriu balançando sua cabeça de maneira negativa. Ele não conseguia acreditar que aquela pequena e perfeita cidade fosse uma grande mentira. Habitantes hipócritas, corruptos e depravados viviam um faz de conta em um mundo encantado que não existia.

Ao sair do banheiro o homenageado da noite começou a reparar mais nos habitantes do município. As adolescentes se insinuavam para ele de maneira cada vez mais ousada. Reparou também nos rapazes, a maioria bêbada, a toda hora saíam do salão para consumir drogas. Era nítido o estado alterado de todos eles. Viu nas distintas senhoras um pouco da primeira dama. Todas elas flertavam com outros homens, esses por sua vez também casados. Em meio a tudo isso ouvia conversas de desvio de verbas, de fraudes e até de aliciação de menores junto ao pároco. Realmente a cidade se revelava de uma maneira surpreendente.

De repente a polícia invade o salão. Dezenas de homens armados, uma gritaria toma conta da festa até que um homem baixinho e careca sobe ao palco e pede calma a todos. Ele se apresenta como inspetor chefe da polícia da região vizinha e diz que estava há meses atrás do homenageado da noite. A comunidade inteira presente naquele evento não podia acreditar, imobilizado no chão o então ilustre visitante foi desmascarado pelo chefe de polícia como sendo um procurado estelionatário.

Rapidamente o homem foi levado para um carro de polícia que em disparada saiu rumo a cidade vizinha. O prefeito ainda alarmado consolando a distinta esposa agradecia e se desculpava ao chefe de polícia. Aquele homem de sorriso fácil havia enganado a todos por meses.

Depois da saída da polícia o prefeito sentiu-se na obrigação de tranquilizar todos os cidadãos, novamente subiu ao palco e discursou de improviso sobre o perigo que correu a cidade naquela noite. Lembrou o quanto foram abençoados. O quanto deram sorte da polícia da cidade vizinha ter desmascarado “aquele câncer” que viveu entre eles por todos aqueles meses.

Depois de ser aplaudido de pé por todos pediu que o padre, mesmo em um estado etílico um pouco elevado fizesse uma prece e agradecesse aos céus por terem, a tempo, descoberto o forasteiro indigno e por terem conseguido, a tempo, limpar novamente a cidade das nefastas influências vindas sabe-se lá da onde.

Agora novamente aquela cidade estava limpa. Agora novamente aquela cidade podia se orgulhar de ser um lugar abençoado. Agora sim aquela cidade podia voltar a ser chamada “O Vale dos Justos”.

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